quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Reinado de Nicolau I, da Rússia ( 1825 a 1855)

O filósofo Peter Kropotkine, um dos teóricos do anarquismo, deixou uma descrição vívida da maneira como a servidão funcionava durante o reinado do czar Nicolau I, que governou a Rússia de 1825 a 1855.

Lembrava-se de ouvir, na sua infância histórias de homens e mulheres que eram separados à força das suas famílias, levados das suas aldeias e vendidos, perdido ao jogo ou trocados por cães de caça e transportados para algum lugar remoto da Rússia (...)

de crianças que eram arrancadas aos pais e vendidas a amos cruéis ou dissolutos;

de serem chicoteados nos estábulos, um acontecimento quase diário e que se caracterizava por uma crueldade inaudita;

de uma rapariga que achou que a sua única salvação era afogar-se;

de um homem cujos cabelos tinham embranquecido ao serviço do seu senhor e que, por fim, se enforcou debaixo da janela deste;

e de revoltas de servos que foram reprimidas pelos generais de Nicolau I, chicoteando até à morte um de cada dez ou de cada cinco homens escolhidos ao acaso e destruindo a aldeia (...)

Quanto à pobreza que vi, durante as nossas viagens, em certas aldeias, especialmente naquelas que pertenciam à família imperial, não há palavras que possam descrever aos leitores a miséria que não tenham visto.

in «Porque Falham as Nações - Capitulo 8 - No nosso quintal, não: Barreiras ao desenvolvimento», Temas & Debates, Circulo de Leitores 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Plano Cautelar, Tribunal Constitucional Alemão & o nosso futuro a curto prazo.

Em Julho de 2012, Mário Draghi, declarou que o banco iria fazer o «que fosse necessário» para salvar o EURO.

Implícito nas palavras do Presidente do BCE, estava o Lançamento dos OMTs ( Outright Monetary Transactions ) em português TMAs (Transacções Monetárias Absolutas), que na prática significam, emitir moeda para comprar divida soberana dos estados que integram a União Monetária.

Esta decisão, foi a primeira, não unânime tomada pelo BCE,  o Governador do Banco Central Alemão (Bundesbank-BUBA),  Jens Weidmann, que votou contra, por entender que o BCE está a ir alem das suas atribuições e competências no âmbito dos acordos existentes que suportam a  União Monetária Europeia, e na sua qualidade de representante do maior accionista do BCE a Alemanha,  entendeu em conjunto com o ministro das finanças  do governo de Angela Merkel, o septuagenário Wolfgang  Schauble, interpor uma acção no Tribunal Constitucional Alemão (TCA), contra esta medida do BCE que consideram avulsa & extemporânea e que segundo eles pode colocar em causa a estabilidade e o valor da moeda única europeia.

Na sequência o TCA, recentemente entendeu remeter para o Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) para que este emita a decisão final sobre se à luz dos tratados assinados e assumidos pelas 18 nações que compõem actualmente o EURO, a decisão de Draghi tem enquadramento legal(?).

 Dificilmente o TEJ decidirá contra o BCE, até porque quer o poder politico quer o poder económico europeu, assentam hoje quase exclusivamente na estabilidade da moeda única e na capacidade que esta tem vindo a demonstrar de funcionar cada vez mais como moeda de reserva de valor mundial, tornando os investimentos na Europa um valor seguro para os investidores mundiais.

No entanto a existência de um plano cautelar para apoiar Portugal após dia 17 de Maio, depende quase exclusivamente desta decisão, uma vez que se a mesma não for favorável ao BCE, este não poderá sequer criar um plano cautelar de apoio, pois não poderá contar com único instrumento atualmente ao seu dispor para o efeito, os OMT/TMA.

Portugal não está em condições de poder prescindir deste Back-up, pois não conseguimos nos últimos 3 anos atingir sequer um saldo primário positivo, sinal mínimo necessário para os mercados considerarem que os nossos governos têm um efetivo controlo sobre as nossas contas públicas.

De facto os nossos governos não têm o necessário controlo sobre as nossas contas públicas, quem detém esse poder é o Tribunal Constitucional, que não é um órgão eleito, nem executivo. Enquanto assim for os graves problemas das nossas contas públicas irão perdurar, o IRS não irá baixar e a carga fiscal irá continuar a canibalizar a economia, num processo de gradual destruição e decadência autofágica nacional.

Infelizmente para todos nós, a mudança de governo não alterará nada do actual panorama, o próximo governo eleito, será confrontado com a mesma situação que o actual e se os dois partidos mais votados não conseguirem chegar a um acordo constituindo um governo de salvação nacional, no sentido de limitar os estragos causados pelo TC nas contas públicas pós 2015, que DEUS tenha piedade de nós. Aos não crentes, resta-nos emigrar.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Democracia Participativa - Os Equívocos de liderança.

Sabendo que a esperança média de vida de um cidadão português ronda os 78 anos de idade, e que as nossa pirâmide etária concentra mais população acima dos 30 anos de idade do que abaixo dada a quebra continua da taxa de natalidade, não compensada pela imigração;

Considerando que todo os que viveram até os 10 anos durante o Estado Novo não tinham grande consciência da época em que viviam, teremos que todas as pessoas com menos de 50 anos, não viveram ou não foram decisivamente influenciadas pelos valores da época.

Assumindo estas duas condições simplistas podemos concluir com algum grau de razoabilidade que atualmente +2/3 da população viva, já não viveu ou não sofreu grande influencia dos valores do anterior regime.

Em 1974, cerca de 3/4 das pessoas não eram nascidas ou não tinham sido influenciadas de forma significativa pela situação vivida durante a primeira republica. Nesse tempo a nossa pirâmide etária era bem mais larga junto à base, do que é hoje, apesar da emigração dos anos 60.

É portanto provável/admissível que daqui a 10 anos, a parte da população que já não viveu sob a égide do Estado Novo se assemelhe muito a esses 3/4 de há quarenta anos.

Se pensarmos em termos de Democracia Representativa vs Democracia Participativa, facilmente perceberemos que atualmente entre 1/3 e metade da população ainda não está preparada para aceitar novas formas de Democracia, porque a única que conhecem é a que sempre tivemos.

Pensar que se pode constituir um Partido com um diferente grau de abertura à participação, integrando nomeadamente novas plataformas informáticas que o permitem, sem ter em consideração os aspetos demográficos acima descritos, entre outros, como a cultura democrática ou num nível mais pragmático as recentemente adquiridas e ainda frágeis competências ao nível informático, é esquecer que nem todos estarão preparados para o integrar, por conseguinte, há que aceitar que como em todas as mudanças haverão sempre os que terão de ir à frente.

Porem liderar, já não é comandar ou impor regras, liderar é ir olhando para trás alumiando o caminho de quem vem atrás, evitando que uns se percam e outros se afastem, ajudando outros a perceber onde nos leva o caminho. Sem esse cuidado constante, sem essa diligência inata, qualquer iniciativa neste âmbito acabará por soçobrar às ambições pessoais dos que o pensam liderar.

Promover participação é muito mais do estar disponível para ela, é estar disponível para os outros.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um dos lugares comuns na nossa sociedade é usarem-se os comportamento e/ou as situações excepcionais somo se fossem estas a regra e a partir daí, discorrer teorias e explicações porque tudo está mal e nada funciona.

Questionadas as pessoas que o fazem por hábito e de forma sistemática, rapidamente são confrontadas com o tamanho do seu equivoco, caindo pela base todas as ideias que construíram sobre ele.

A primeira reacção é a de quem ficou sem rede, e agora se vê confrontado/a com a necessidade de «pensar tudo de novo».

Uma outra reacção menos comum e inteligente é persistir no erro defendendo com unhas e dentes o que não é defensável pela lógica seja ela qual for.

Enganados podemos sempre estar todos em qualquer momento, a diferença entre nós, está na forma como reagimos quando nos demonstram de forma inequívoca o nosso erro.

Obviamente aqueles que «pensam pela sua própria cabeça» e aplicam o método cientifico, colocando constantemente em causa as suas próprias convicções, são os que mais facilmente aceitam reconhecer que poderiam não estar correctos mas são também sempre os mais difíceis de convencer, porque quando outrem põe em causa as suas ideias rapidamente descobre que eles também já o fizeram.

Por favor, pense pela sua cabeça e rejeite IDEIAS FEITAS mesmo as que lhe pareçam mais LÓGICAS & ou EVIDENTES.

Pergunte, pergunte sempre, não tenha medo de passar por ignorante, porque ignorantes somos todos, burros são só os que têm medo de passar por ignorantes e por isso não perguntam.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Velho Umbunzeiro e os seus novos rebentos, uma história de pessoas

"Era uma aldeia muito pequena.
Tão pequena que não figurava nos grandes mapas nacionais.
Tão pequena que tinha apenas uma praça diminuta e, na sua única praça, uma única árvore.
Mas as pessoas adoravam a sua aldeia, amavam a sua praça e a sua árvore: um enorme umbunzeiro que se encontrava precisamente no centro da praça. E também no centro da vida quotidiana dos habitantes da aldeia: todas as tardes por volta das sete, depois do trabalho, os homens e as mulheres da aldeia encontravam-se na praça, recém-lavados, penteados e vestidos, para dar duas voltinhas ao umbuzeiro.

Durante anos, os jovens, os pais dos jovens e os pais dos pais dos jovens cruzavam-se diariamente à sombra do umbunzeiro.
Ali se haviam fechado negócios importantes, se haviam tomado decisões relativas ao município, celebrado casamentos e recordado os mortos durante anos e anos.
Um dia, começou a acontecer uma coisa diferente e maravilhosa: numa raiz lateral, saído do nada, brotou um raminho verde com duas únicas folhas viradas para o sol.
Era um rebento. O primeiro rebento que o umbunzeiro dera, desde sempre.
Depois da comoção, criou-se um comité para organizar uma festa em honra daquele acontecimento.
Para espanto dos organizadores, nem toda a gente da aldeia acorreu à celebração. Havia quem achasse que o rebento traria complicações.

A verdade é que, uns dias depois de ter aparecido o primeiro rebento, começou a brotar outro. E, no espaço de um mês, mais de uma vintena de raminhos verdes tinham assomado das velhas raízes do umbunzeiro.
A alegria de uns e a indiferença de outros iam durar pouco.
O alerta foi dado pelo guarda da praça. Algo se passava com o velho umbunzeiro. As suas folhas estavam mais amarelas do que nunca, estavam frágeis e caíam facilmente. A cortiça do tronco, que outrora era carnuda e macia, ficara ressequida e quebradiça. O guardião fez o seu diagnóstico.
- O umbunzeiro está doente.
E talvez morresse.

Nessa tarde, durante o passeio vespertino, estalou a discussão. Alguns começaram a dizer que a culpa era dos rebentos. Os seus argumentos eram concretos: tudo estava bem antes de eles aparecerem.
Os defensores dos rebentos diziam que uma coisa não tinha nada a ver com a outra e que os rebentos asseguravam o futuro, se acontecesse alguma coisa ao umbunzeiro.
Expostas as diferentes opiniões, formaram-se dois grupos claramente antagónicos. Um que defendia o velho umbunzeiro, outro que defendia os novos rebentos.
Sem saber como, a discussão tornou-se cada vez mais acalorada e os dois grupos distanciaram-se cada vez mais. Chegada a noite, decidiram tratar o assunto na reunião municipal do dia seguinte, para acalmar os ânimos.

Mas os ânimos não se acalmaram. No dia seguinte, os Defensores do Umbunzeiro, como começaram a apelidar-se, disseram que a solução do problema era voltar atrás. Os rebentos estavam a tirar as forças ao velho umbunzeiro e a actuar como parasitas da árvore. Tinham, portanto, de destruir os rebentos.

Os Defensores da Vida, como se havia baptizado o segundo grupo, escutaram alvoraçados, porque também eles se tinham reunido para encontrar uma solução. Tinham de arrancar o velho umbunzeiro, que na verdade já cumprira o seu ciclo. A única coisa que estava a fazer era tirar sol e água aos recém-nascidos. Além disso era inútil defender o umbunzeiro porque, de qualquer forma, a velha árvore já estava praticamente morta.
A discussão terminou em briga e a briga em escaramuça, onde não faltaram gritos, insultos e pontapés. A polícia pôs fim à contenda, mandando toda a gente para casa.

Os Defensores do Umbunzeiro reuniram-se nessa noite e decidiram que a situação era desesperada, já que os seus estúpidos adversários não iam ouvir os seus argumentos e, como tal, decidiram agir. Armados com tesouras de podar, paus e picaretas, decidiram atacar: destruídos os rebentos, a situação a negociar seria diferente.
Chegaram à praça todos contentes.

Ao aproximarem-se da árvore, viram que um grupo de pessoas estava a empilhar toros à volta do umbunzeiro. Eram os Defensores da Vida, que planeavam lançar-lhe fogo.
Ambos os grupos de defensores embrenharam-se noutra discussão, mas desta vez as suas mãos estavam armadas de ódio, rancor, vontade de destruir.
Vários rebentos foram pisados e danificados durante a escaramuça.
O velho umbunzeiro também sofreu danos graves no tronco e nos ramos. Mais de vinte defensores de ambos os lados acabaram a noite internados no hospital, com feridas de maior ou menos gravidade.
Na manhã seguinte, a praça tinha um aspecto completamente diferente. Os Defensores do Umbunzeiro tinham levantado uma cerca à volta da árvore e guardavam-na permanentemente com quatro pessoas armadas.

Os Defensores da Vida, por seu lado, tinham cavado um fosso e instalado uma vedação de arame farpado à volta dos rebentos que restavam, a fim de repelir qualquer ataque. (...)
A gritaria era terrível e ninguém se conseguia fazer ouvir.
De repente, abriu-se a porta e, pelo corredor, seguido pelo olhar de ambas as partes, avançou o velho, apoiado na sua bengala.

O Velho devia ter mais de cem anos, fundara aquela aldeia na sua juventude, planificara as suas ruas, sorteara os lotes de terreno e, claro está, plantara a árvore.
O Velho era respeitado por todos e a sua palavra conservava a lucidez que o acompanhara durante toda a sua vida.

O ancião afastou os braços que se ofereciam para o ajudar e, com dificuldade, subiu ao palco e falou.
-Seus imbecis! - disse. . Autoproclamam-se Defensores do Umbunzeiro, Defensores da Vida... Defensores? Vocês são incapazes de defender seja o que for, porque a vossa única intenção é prejudicar todos aqueles que pensaram de maneira diferente da vossa.
Não se apercebem do vosso erro e tanto uns como os outros estão equivocados.
O umbunzeiro não é uma pedra. É um ser vivo e, como tal, tem um ciclo de vida. Este ciclo inclui dar vida aos que continuarão a sua missão. Isto é: inclui preparar os rebentos para fazer deles novos umbunzeiros.

Mas os rebentos, seus estúpidos, ainda mal são umbunzeiros. Por isso, não poderiam viver se o umbunzeiro morresse e a vida do umbunzeiro não teria sentido se não fosse capaz  de transformar-se numa vida nova.
Preparem-se, Defensores da Vida. Treinem e armem-se. Em breve chegará a hora de deitar fogo à casa dos vossos pais com eles lá dentro. Porque em breve envelhecerão e começarão a estorvar o vosso caminho.
Preparem-se, Defensores do Umbunzeiro. Pratiquem com os rebentos. Devem estar preparados para matar os vossos filhos quando eles quiserem substituir-vos ou superar-vos.
E autoproclamam-se vocês Defensores!  Vocês só querem é destruir.
E não se apercebem de que destruindo, destruirão também, inexoravelmente, tudo aquilo que pretendem defender.
Pensem!

Não vos resta muito tempo...

E dito isto, desceu lentamente do palco e caminhou para a porta, perante o silêncio de todos.
...E foi-se embora."

Bucay, Jorge; DEIXA-ME QUE TE CONTE,