Parte II de III
Apesar de todos os fortes condicionamentos, a que o actual governo está sujeito, é possível não perder de vista dois vectores estratégicos de acção que nos podem ajudar, a aligeirar os efeitos (devastadores) de curto prazo deste ciclo de divida / depressão, onde nos encontramos, e do qual não sairemos senão tivermos coragem de os aplicar.
O primeiro é uma condição sinequanon, de sucesso para qualquer política de austeridade. Se considerarmos que a actual situação fiscal já se encontra para alem do ponto máximo da curva de Laffer*, e que o estado está a canibalizar a economia ( Decrescimento económico esperado para 2012 = -8% ), facilmente depreendemos que a opção que visa maximizar a receita pública através do aumento de impostos é uma falsa opção, pois por cada aumento nos impostos, o estado recebe cada vez menos receita, por outras palavras estamos perante uma não opção.
Resta-nos a opção da redução da despesa pública, mas para que esta surta os efeitos pretendidos é vital que alguns dos interesses instalados e direitos conquistados, sejam contrapostos. Ao iniciar a redução da despesa pública pela redução dos vencimentos dos funcionários públicos o governo, começou «a carregar onde é mais mole», ou seja, por onde poderia obter maior efeito de curto prazo, alargando a base de divisão dos esforços, aos milhares de FPs, que ganham, numa primeira fase + de 1,500€ e numa segunda fase, aos que ganham + de 1,000€. Prepara-se agora o governo para alargar esta base também aos que ganham menos de 1,000€, porem existem algumas outras opções de redução de despesa pública que não estão a ser conseguidas da mesma forma. Porquê ? Porque não é fácil, nós sabemos. Porque leva o seu tempo ? Ou porque não estão a ser dados os necessários «passos» ?
No entanto sem a necessária redução da actual INIQUIDADE de tratamento entre os que vivem exclusivamente do seu trabalho e os que defendem exclusivamente a perpetuação dos privilégios exclusivos dos capitais financeiros nacionais e estrangeiros, tememos que a ilusão criada pelo ESTADO NOVO, na mente dos portugueses, que somos um povo de brandos costumes se comece a desvanecer, não só, numa anarquia que se vai gradualmente instalando apesar de encoberta por uma barreira mediática, servil e dependente do capital financeiro e do estado, mas evolua para formas de protesto mais focadas, organizadas e consequentes.
A ilusão de que o que se está a passar na Grécia, não se irá passar cá não passa disso mesmo, de uma ilusão, pois por toda a Europa, se vai ganhando uma experiência acumulada de protesto, que da inconsequência e romantismo inicial, está rapidamente a evoluir para formas de organização que só se poderão chamar de terroristas enquanto não envolverem uma parte substancial da população portuguesa.
Deste fenómeno, nada de bom advirá para ninguém, nem mesmo para aqueles que pensam ser este o único caminho, porem e se o governo continuar a agir, tendo por base de acção a aparente normalidade que precisa de vender à opinião pública, sem tomar em tempo oportuno as necessárias medidas de contraposição dos fortes interesses instalados, é uma questão de tempo até que a anarquia se instale.
A necessária REDUÇÃO DA INIQUIDADE, é portanto o primeiro vector de sustentabilidade da austeridade necessária ao reequilíbrio das contas públicas e o único que pode impedir as consequências desta de se tornarem imprevisíveis.
*
Curva de Laffer - http://pt.wikipedia.org/wiki/Curva_de_Laffer
Olá Miguel
ResponderEliminarEsperava com curiosidade intelectual esta 2ª parte. Obrigado por a teres produzido e pelo tempo de reflexão e dedicação investido.
Concordo em absoluto com o teu diagnóstico, bem como a necessidade imperiosa de eliminação urgente das iniquidades. O munido académico e político lusitano tem feito vista grossa a esta realidade inexorável, como se o facto de enfiar a cabeça na areia os livrasse do "pica-miolos".
Todavia vou adicionar uma nova abordagem, ou clarificação no diagnóstico e vou contra argumentar a tua conclusão da rebelião social.
Diagnóstico - A actual crise económica e social que está a ser tratada com as políticas lactus sensu, designadas por austeridade está incorrectamente delimitada e é objectivamente mal aplicada.
A principal crise que vivemos é a da despesa do Estado. O desenvolvimento e ampliação contínua do dito Estado Social pela "Esquerdas e Direitas" que nos têm governado, elevaram as despesas públicas para patamares insustentáveis.
Como o Medina Carreira tem explicado ad nauseum (mas sem sucesso) nos últimos anos, o nível de compromissos sociais e de despesas correntes do Estado, não era sustentável por uma economia que crescia a ritmos anémicos desde 1998.
Por isso há que o dizer muito claramente a austeridade tem de ser aplicada essencialmente ao Estado social e ao aparelho do Estado e respectivo séquito de funcionários públicos de carreira ou de ocasião.
Todas as empresas privadas (grandes e pequenas) que não chucham nas tetas dos sucessivos governos, sempre viveram em austeridade. Qualquer administração que se preze e que tenha de recompensar os seus accionistas com distribuição de lucros, de uma forma continuada no tempo, não se pode dar ao luxo de não ser austera. Quem o faz é morto pela concorrência.
Portanto, da actual austeridade cujo principal objecto deveria ser o Estado e da qual resulta esta desmesurada crise, podemos inferir:
a) O incongruente peso do Estado na Economia que subverte as regras de mercado e tolhe o desenvolvimento de empresas privadas inovadoras, competentes e capazes de criar emprego.
b) A aplicação da austeridade a todos os domínios da sociedade e da economia está a gerar desemprego crescente com consequências não só ao nível da diminuição da receita fiscal como bem demonstraste com a curva de Laffer, mas também ao nível do sector financeiro, imobiliário, alimentar e até da produção de bens transaccionáveis de baixa tecnologia.
Em conclusão, o Estado (incluindo os órgão de soberania como a Assembleia da Republica) que deveriam de ser o principal objecto da austeridade, está a sacudir a água do capote com tanta intensidade para a economia real, que nos está a afogar a todos.
Aliás segundo os termos do memorando com as 3 instituições internacionais, creio que determinavam que o ajustamento seria feito em 1/3 pelo lado das receitas fiscais e 2/3 pelo lado das despesas. Só posso entender o que está a ser feito com a retirada total dos subsídios de desemprego, das pensões e o despedimento de metade dos médicos, funcionários públicos e professores. Como ficam sem subsídios de desemprego, efectivamente consegue-se diminuir a despesa.
Temos no entanto algumas culpas pelas quais devemos ser castigados. E uma delas é a complacência. O que me leva à contra argumentação sobre a rebelião social.
Rebelião social – Não creio pura e simplesmente que se possa desenvolver um estado de protesto e de demonstração de insatisfação como na Grécia e possivelmente também em Espanha, porque não é isso que nos caracteriza enquanto cultura lusitana com 800 e tal anos de uma história de enxovalhos e de heróis por acaso.
ResponderEliminara) Durante as diversas dinastias e reinados, bem como durante a dominação dos Filipes, nunca foi o povo que se rebelou. Nunca foi aquele que agora e então mais sofreu a austeridade que se rebelou contra os poderes instituídos.
b) Bem pelo contrário, foram esses que fizeram durante muitos anos casamentos e comércio com os árabes que habitavam o sul de Portugal até 1450 (+/-) em paz e prosperidade.
c) Foram os mesmos que perante uma vida de miséria e a morte certa por um qualquer senhor ébrio, se meteram em casacas de noz a descobrir os oceanos, porque não podia ser pior do que o que o tinham como certo em terra. E dominaram o mar Oceano (agora Atlântico) e o Índico, onde receberam Macau como agradecimento pela luta contra os Mongóis que ameaçavam o Imperador Chinês da época.
d) Foram estes mesmos que viram o Paiva Couceiro mandar dar umas bojardas da Praça de Espanha para o Parque Eduardo VII para instaurar a Republica e aclamaram a mesma no Porto, quando receberam por telefone, a notícia do que tinha acontecido em Lisboa.
e) Foram também estes que foram para Angola “depressa e em força” quando o Estado Novo os mandou defender uma nação insular que a maioria nem sequer tinha ouvido falar. E fizeram-no com valentia e algum sucesso apesar do preço de sangue e cerveja que pagaram.
f) Também foram eles que por miséria e fome, por medo da guerra negra, ou por manifestação de liberdade intelectual emigraram também em força para o mundo em reconstrução da II Guerra Mundial e construíram casas, carros, negócios e famílias em França, Alemanha, Brasil, EUA e Grã-Bretanha.
g) São ainda os mesmos que assistiram à ocupação do largo do Carmo pelos seus irmãos militares, sob o comando de “funcionários públicos” que se achavam mal pagos para fazerem a guerra em África e de outros idealistas. Encheram-lhes os canos das armas com cravos e rejubilaram com o fim de um regime que se rendeu sem ter sido ameaçado. Apenas solicitou uma patente mais elevada do que um simples capitão.
h) São estes os mesmos que há 10 anos voltaram a descobrir o mundo, porque já não conseguiam mais alimentar nem as famílias nem a esperança. Voltaram-se novamente para África, Brasil, EUA, China, médio oriente, Holanda… para todos os sítios onde as suas competências fossem melhor pagas do que na sua terra. Ainda que muitos agora sejam técnicos altamente especializados, licenciados, mestrados, doutorados e pós doutorados.
Este povo, culpado sem dúvida de ser complacente e ter acreditado nos princípios, que foram subvertidos, das democracias europeias, não se rebela com ódio, raiva ou sangue.
Este povo canta o seu fado e chora baixinho pelo mundo fora.
Abraços Positivos
fc
Sobre a questão da iniquidade a necessidade absoluta da sua extinção:
ResponderEliminarhttp://inequality.org/richard-wilkinson-economic-inequality-harms-societies/
Olá Fernando, obrigado pelos teus comentários, praticamente tudo o que relatas são factos, devidamente suportados por dados reais, pelo que não são contraponiveis, porem em relação à rebelião social, cometes um erro crasso.
ResponderEliminarO de pensar que o passado irá espelhar-se no futuro quando, em nenhum momento da nossa história os portugueses tiveram um nível de formação, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, tão elevado.
É possível que muitos façam a sua revolução interiormente e ao nível de pequenas comunidades que aqui e ali, poderão vir a prescindir gradualmente do sistema capitalista de produção & sobrevivência.
Não é contudo possível que todos a façam da mesma forma. Olhar o futuro, justificando a inacção das pessoas pelo passado, é só uma forma quase linear de o tentar prever, embora eu entenda que o teu espírito é muito mais o do «pica-miolos», do que do «velho do Restelo», caso contrário não estaríamos a escrever numa espiral que se quer positiva.
O Pedro Vieira de Almeida, demonstra bem no seu último livro, o quanto a ideia do «país dos brandos costumes», não passa de uma falácia criada pelo Estado Novo para «amansar o povo», mas eu não vou por aí.
Porem e antes de acabar, repara no que se está a passar na Escola da Fontinha do Porto, imagina tu que há lá um morto ? Só um ?
Grande Abraço
Olá Miguel
ResponderEliminarAdmito cometer erros, claro! Sou humano (acho).
Todavia, não estou a cometer o erro de que o futuro espelha o passado.
Estou a inferir que os exemplos do passado, indicam a direcção mais provável para o futuro.
Uma sociedade sem um passado de violência e sangue é, no meu entender um história genética de valor imenso, que me orgulha. O mesmo não se pode dizer dos Gregos e dos Espanhóis.
A sua história de conquistas com muita violência, não lhes trouxe, para a actualidade, qualquer vantagem para evitarem as condições em que se atolaram na crise.
Portanto, se tiver de escolher um percurso que leva inexoravelmente à crise, prefiro é óbvio, a história portuguesa.
Não conheço a obra do Pedro Vieira e até posso concordar com a campanha dos "brandos costumes" amplificada pelo Estado Novo. Mas a afirmação, tem um fundo muito sólido, resumido nos exemplos que dei, não me parece que seja uma falácia histórica. Mas estou disposto a saber mais e mudar de opinião (como sempre) se os argumentos forem fortes e fundamentados.
Por outro lado, não creio que da "violência" ou rebelião social, possa vir qualquer importante benefício. Há uma questão de fundo a resolver que não parece ser tida em conta pelos manifestantes, Gregos, Espanhóis e proto-rebeldes portugueses. E essa questão fundamental é a DÍVIDA. Sobre ela só há duas opções possíveis:
a) Não pagar - ao estilo da Islândia;
b) Pagar - como se está a tentar fazer.
Em caso de prosseguirmos na opção b), o caminho não deve ser muito diferente do que se vem a trilhar no último ano e meio. O Sataus Quo dos diversos extractos sociais, contrai-se um pouco, mas não muda substancialmente. Só os mais desfavorecidos sofrerão mais (como sempre). E com algum esperança e mais empréstimos, devemos retomar um certo equilíbrio pré-Sócrates, mas que no fundo apenas nos vai garantir o equilíbrio das contas, sem quaisquer verdadeiras medidas estruturantes que nos ponham outra vez em rumo de convergência com o nível de vida médio da UE, como nos idos da década de 90 do século passado.
Para esta opção temos os líderes que temos, com pouco carisma e com pouca capacidade de argumentação racional ou de fazerem frente aos tais grandes poderes fácticos instalados.
A favor da opção a) há alguns argumentos de peso a seu favor. Sendo talvez o mais forte o que se relaciona com a dívida odiosa. Efectivamente a duplicação da dívida pública ente 2008 e 2010, levanta várias questões éticas, não respondidas e que configuram algumas características da dívida odiosa, tal como foi aplicada no Chile ou na Bolívia (não estou certo) por volta de 2005, salvo erro.
Na verdade ninguém nos explicou o que foi feito desse dinheiro que se pediu em excesso nesses 3 anos. Não sabemos o seu destino. Não sabemos de qualquer investimento(s) feitos que justifique esse desparrame de dinheiro.
É por isso que defendo que Sócrates deveria de ser instado pela justiça a explicar o que foi feito desse dinheiro e eventualmente declarar essa dívida como odiosa e não assumir o seu pagamento, ao mesmo tempo que se deveria honrar a restante dívida até 2007, que estava ainda em valores próximos do Tratado de Maastricht e era "sustentável".
Mas para isso, seria necessário uma nova geração de líderes carismáticos, cultos e argumentativos, que francamente não sei onde estão nem como podem ser descobertos.